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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Creio em Deus


PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 23 de Janeiro de 2013

 
«Creio em Deus»
Queridos irmãos e irmãs,
Hoje quero começar a reflectir convosco sobre o Credo, a nossa Profissão de Fé, que inicia com estas palavras: «Creio em Deus»; um Deus, que Se revela e fala aos homens, convidando-os a entrar em comunhão com Ele. Assim no-lo mostra a Bíblia na vida de muitas pessoas. Uma delas é Abraão, chamado «o pai de todos os crentes». A fé leva-o a percorrer um caminho paradoxal, pois será abençoado, mas sem os sinais visíveis da bênção. Abraão, na fé, sabe discernir a bênção divina para além das aparências, confiando na presença do Senhor mesmo quando os seus caminhos são misteriosos. Os olhos da fé são capazes de ver o invisível. Também nós, quando dizemos «Creio em Deus», afirmamos como Abraão: «Entrego-Me nas vossas mãos! Entrego-me a Vós, Senhor!», para fundar em Vós a minha vida e deixar que a vossa Palavra a oriente nas opções concretas de cada dia.
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© Copyright 2013 - Libreria Editrice Vaticana

Jesus Cristo "mediador e plenitude de toda a Revelação"


PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 16 de Janeiro de 2013


Jesus Cristo "mediador e plenitude de toda a Revelação"
Queridos irmãos e irmãs,
O Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a Revelação Divina Dei Verbum, afirma que a verdade íntima de toda a Revelação de Deus resplandece para nós «em Cristo, que é o mediador e ao mesmo tempo a plenitude de toda a Revelação» (n. 2). O Antigo Testamento narra-nos como Deus, depois da criação, não obstante o pecado original e apesar da arrogância do homem ao querer colocar-se no lugar do seu Criador, oferece de novo a possibilidade da sua amizade, sobretudo através da aliança com Abraão, e caminho de um pequeno povo, o povo de Israel, que Ele escolhe não com critérios de poder, mas simplesmente por amor. É uma escolha que permanece um mistério e revela o estilo de Deus, que chama alguns não para excluir os outros, mas para que sirvam de ponto conduzindo para Ele: escolha é sempre eleição pelo outro. Na história do povo de Israel podemos voltar a percorrer as etapas de um longo caminho em que Deus se faz conhecer, se revela e entra na história com palavras e acções. Para esta obra Ele serve-se de mediadores, como Moisés, os Profetas e os Juízes, que comunicam ao povo a sua vontade, recordam a exigência de fidelidade à aliança e mantêm viva a expectativa da realização plena e definitiva das promessas divinas.
E foi precisamente o cumprimento destas promessas que pudemos contemplar no Santo Natal: a Revelação de Deus alcança o seu ápice, a sua plenitude. Em Jesus de Nazaré, Deus visita realmente o seu povo, visita a humanidade de um modo que vai além de todas as expectativas: envia o seu Único Filho; o próprio Deus faz-se homem. Jesus não nos diz algo de Deus, não fala simplesmente do Pai, mas é Revelação de Deus, porque é Deus, e assim revela-nos o rosto de Deus. No Prólogo do seu Evangelho, são João escreve: «Ninguém nunca viu Deus. O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem O revelou» (Jo 1, 18).
Gostaria de meditar sobre este «revelar o rosto de Deus». A este propósito são João, no seu Evangelho, recorda-nos um acontecimento significativo que há pouco ouvimos. Aproximando-se da Paixão, Jesus tranquiliza os seus discípulos, convidando-os a não ter medo e a ter fé; depois, instaura um diálogo com eles, no qual fala de Deus Pai (cf. Jo 14, 2-9). Numa certa altura, o apóstolo Filipe pede a Jesus: «Senhor, mostra-nos o Pai e isso basta-nos» (Jo 14, 8). Filipe é muito prático e concreto, e diz também o que nós desejamos dizer: «Queremos ver, mostra-nos o Pai», pede para «ver» o Pai, para ver o seu rosto. A resposta de Jesus não se dirige apenas a Filipe, mas também a nós, e introduz-nos no coração da fé cristológica; o Senhor afirma: «Aquele que me viu, viu também o Pai» (Jo 14, 9). Nesta expressão encerra-se sinteticamente a novidade do Novo Testamento, aquela novidade que apareceu na gruta de Belém: é possível ver Deus, Deus manifestou o seu rosto, é visível em Jesus Cristo.
Em todo o Antigo Testamento está bem presente o tema da «procura do rosto de Deus», o desejo de conhecer esta face, o desejo de ver Deus como Ele é, a tal ponto que o termo hebraico pānîm, que significa «rosto», aparece 400 vezes, das quais 100 se referem a Deus: refere-se a Deus 100 vezes, deseja-se ver o rosto de Deus. E no entanto, a religião judaica proíbe totalmente as imagens, porque Deus não pode ser representado, como ao contrário faziam os povos vizinhos, com a adoração dos ídolos; por conseguinte, com esta proibição de imagens, o Antigo Testamento parece excluir totalmente o «ver» do culto e da piedade. Então, o que significa para o israelita piedoso procurar o rosto de Deus, na consciência de que não pode haver qualquer imagem sua? A pergunta é importante: por um lado, deseja-se dizer que Deus não pode ser reduzido a um objecto, como uma imagem que se toma nas mãos, mas também não se pode pôr algo no lugar de Deus; por outro lado, contudo, afirma-se que Deus tem um rosto, ou seja que é um «Tu» que pode entrar em relação, que não está fechado no seu Céu a olhar do alto a humanidade. Sem dúvida, Deus está acima de todas as coisas, mas dirige-se a nós, ouve-nos, vê-nos, fala-nos, faz uma aliança e é capaz de amar. A história da salvação é a história de Deus com a humanidade, é a história desta relação de Deus que se revela progressivamente ao homem, que se faz conhecer a si mesmo, o seu rosto.
Precisamente no início do ano, no dia 1 de Janeiro, ouvimos na liturgia a linda prece de bênção sobre o povo: «O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor te mostre a sua face e te conceda a sua graça! O Senhor dirija o seu rosto para ti e te dê a paz!» (Nm 6, 24-26). O esplendor do rosto divino é a fonte da vida, é aquilo que permite ver a realidade; a luz da sua face é a guia da vida. No Antigo Testamento existe uma figura à qual está ligado de modo totalmente especial o tema do «rosto de Deus»; trata-se de Moisés, Aquele que Deus escolhe para libertar o povo da escravidão do Egipto, para lhe confiar a Lei da aliança e para o guiar rumo à Terra prometida. Pois bem, no capítulo 33 do Livro do Êxodo afirma-se que Moisés tinha uma relação estreita e confidencial com Deus: «O Senhor entretinha-se com Moisés face a face, como um homem que fala com o seu amigo» (v. 11). Em virtude desta confidência, Moisés pede a Deus: «Mostrai-me a vossa glória!», e a resposta de Deus é clara: «Farei passar diante de ti todo o meu esplendor, e pronunciarei diante de ti o nome do Senhor... Mas não poderás ver a minha face, pois o homem não me poderia ver e continuar a viver... Eis um lugar perto de mim... ver-me-ás só de costas. Quanto à minha face, ela não pode ser vista» (vv. 18-23). Então, por um lado há o diálogo face a face como entre amigos, mas por outro há a impossibilidade de ver nesta vida o rosto de Deus, que permanece escondido; a visão é limitada. Os Padres afirmam que estas palavras, «ver-me-ás só de costas», querem dizer: só podes seguir Cristo e, seguindo-o, vês de costas o mistério de Deus; Deus só pode ser seguindo vendo-o de costas.
Porém, mediante a Encarnação acontece algo completamente novo. A busca do rosto de Deus passa por uma transformação inimaginável, porque agora é possível ver este rosto: é o rosto de Jesus, do Filho de Deus que se faz homem. Nele encontra cumprimento o caminho de Revelação de Deus, encetado com a chamada de Abraão, Ele é a plenitude desta Revelação porque é o Filho de Deus e, ao mesmo tempo, «mediador e plenitude de toda a Revelação» (Constituição dogmáticaDei Verbum, 2), e nele o conteúdo da Revelação e o Revelador coincidem. Jesus mostra-nos o rosto de Deus e faz-nos conhecer o nome de Deus. Na Oração sacerdotal, na Última Ceia, Ele diz ao Pai: «Manifestei o teu nome aos homens... Manifestei-lhes o teu nome» (cf. Jo 17, 6.26). A expressão «nome de Deus» significa Deus como Aquele que está presente no meio dos homens. A Moisés, junto da sarça ardente, Deus tinha revelado o seu nome, ou seja, tornou-se invocável, lançou um sinal concreto do seu «estar» no meio dos homens. Tudo isto, em Jesus, tem o seu cumprimento e plenitude: Ele inaugura de um modo novo a presença de Deus na história, pois quem O vê, vê o Pai, como diz a Filipe (cf. Jo 14, 9). O Cristianismo — afirma são Bernardo — é a «religião da Palavra de Deus»; e não de «uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo» (Hom. super missus est, IV, 11: PL 183, 86b). Na tradição patrística e medieval utiliza-se uma fórmula particular para expressar esta realidade: afirma-se que Jesus é o Verbum abbreviatum (cf. Rm 9, 28, com referência a Is 10, 23), o Verbo abreviado, a Palavra breve, abreviada e substancial do Pai, que nos disse tudo dele. Em Jesus, toda a Palavra está presente.
Em Jesus, também a mediação entre Deus e o homem encontra a sua plenitude. No Antigo Testamento existe um exército de figuras que desempenharam esta função, de modo particular Moisés, o libertador, o guia, o «mediador» da aliança, como o define também o Novo Testamento (cf. Gl 3, 19; Act 7, 35; Jo 1, 17). Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não é simplesmente um dos mediadores entre Deus e o homem, mas é «o Mediador» da nova e eterna aliança (cf. Hb 8, 6; 9, 15; 12, 24); «Porque há um só Deus — diz são Paulo — e há um sómediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem» (1 Tm 2, 5; cf. Gl 3, 19-20). Nele nós vemos e encontramos o Pai; nele podemos invocar Deus com o nome de «Abá, Pai»; nele é-nos conferida a salvação.
O desejo de conhecer Deus realmente, ou seja, de ver o rosto de Deus, está ínsito em cada homem, inclusive nos ateus. E nós talvez tenhamos, de modo inconsciente, este desejo de ver simplesmente quem Ele é, o que Ele é, quem é Ele para nós. Mas este desejo só se realiza seguindo Cristo, porque assim O vemos de costas e enfim vemos também Deus como amigo, a sua face no rosto de Cristo. O importante é que sigamos Cristo não apenas no momento em que temos necessidade, e quando encontramos um espaço nas nossas ocupações diárias, mas com toda a nossa vida enquanto tal. Toda a nossa existência deve ser orientada para o encontro com Jesus Cristo, para o amor por Ele; e, nela, um lugar central deve ser ocupado também pelo amor ao próximo, aquele amor que, à luz do Crucificado, nos faz reconhecer o rosto de Jesus no pobre, no frágil e no sofredor. Isto só é possível se o verdadeiro rosto de Jesus se tornar familiar para nós na escuta da sua Palavra, no falar interiormente, no entrar nesta Palavra, de maneira que deveras O encontremos, e naturalmente no Mistério da Eucaristia. No Evangelho de são Lucas é significativo o trecho dos dois discípulos de Emaús, que reconhecem Jesus na fracção do pão, mas preparados pelo caminho com Ele, preparados pelo convite que lhe apresentaram, de permanecer com eles, preparados pelo diálogo que fez arder o peito deles; assim, no final, eles vêem Jesus. Também para nós a Eucaristia é a grande escola na qual aprendemos a ver o rosto de Deus, entramos em relação íntima com Ele; e aprendemos, ao mesmo tempo, a dirigir o olhar para o momento derradeiro da história, quando Ele nos saciar com a luz do seu rosto. Na terra, nós caminhamos rumo a esta plenitude, na expectativa jubilosa de que se cumpra realmente o Reino de Deus. Obrigado!


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Fez-se homem


PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI

Quarta-feira, 9 de Janeiro de 2013


Fez-se homem
Queridos irmãos e irmãs,
Neste tempo natalício, voltamos a meditar mais uma vez sobre o grande mistério de Deus que desceu do seu Céu para entrar na nossa carne. Em Jesus, Deus encarnou-se, tornou-se homem como nós e assim abriu-nos o caminho para o seu Céu, rumo à plena comunhão com Ele.
Nestes dias, nas nossas igrejas ressoou inúmeras vezes o termo «Encarnação» de Deus, para expressar a realidade que celebramos no Santo Natal: o Filho de Deus fez-se homem, como recitamos no Credo. Mas o que significa esta palavra central para a fé cristã? Encarnação deriva do latim «incarnatio». Santo Inácio de Antioquia — no final do primeiro século — e, acima de tudo, santo Ireneu, utilizaram este termo, meditando acerca do Prólogo do Evangelho de são João, de modo particular sobre a expressão: «O Verbo fez-se carne» (Jo 1, 14). Aqui, a palavra «carne», em conformidade com o uso hebraico, indica o homem na sua integridade, o homem todo, mas precisamente sob o aspecto da sua caducidade e temporalidade, da sua pobreza e contingência. Isto, para nos dizer que a salvação trazida por Deus que se fez carne em Jesus de Nazaré atinge o homem na sua realidade concreta e em qualquer situação em que se encontre. Deus assumiu a condição humana para a purificar de tudo aquilo que a separa dele, para nos permitir chamá-lo, no seu Filho Unigénito, com o nome «Abá, Pai» e assim ser verdadeiramente filhos de Deus. Santo Ireneu afirma: «Este é o motivo pelo qual o Verbo se fez homem, e o Filho de Deus, Filho do homem: para que o homem, entrando em comunhão com o Verbo e recebendo assim a filiação divina, se tornasse filho de Deus» (Adversus haereses, 3, 19, 1: PG 7, 939; cf.Catecismo da Igreja Católica, n. 460).
«O Verbo fez-se carne» é uma daquelas verdades com as quais estamos tão habituados que já quase não nos impressiona pela grandeza do acontecimento que ela exprime. E efectivamente neste período natalício, durante o qual tal expressão volta com frequência na liturgia, às vezes prestamos mais atenção aos aspectos exteriores, às «cores» da festa, do que ao coração da grandiosa novidade cristã que celebramos: algo absolutamente impensável, que só Deus podia realizar, e no qual podemos entrar só mediante a fé. O Logos, que está em Deus, o Logos que é Deus, o Criador do mundo (cf. Jo 1, 1), por Quem foram criadas todas as coisas (cf. 1, 3), que acompanhou e acompanha os homens na história com a sua luz (cf. 1, 4-5; 1, 9), torna-se um no meio dos outros, adquire morada entre nós, torna-se um de nós (cf. 1, 14). O Concílio Ecuménico Vaticano II afirma: «O Filho de Deus... Trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado» (Constituição Gaudium et spes, 22). Então, é importante recuperar a reverência diante deste mistério, deixar-se envolver pela grandeza deste acontecimento: Deus, o Deus verdadeiro, Criador de tudo, percorreu como homem as nossas estradas, entrando no tempo do homem, para nos comunicar a sua própria vida (cf. 1 Jo 1, 1-4). E fê-lo não com o esplendor de um soberano que com o seu poder submete o mundo, mas com a humildade de um menino.
Gostaria de frisar um segundo elemento. No Santo Natal geralmente trocamos alguns dons com as pessoas mais próximas. Às vezes pode ser um gesto feito por convenção, mas em geral exprime carinho, é um sinal de amor e de estima. Na oração sobre o ofertório da Missa da noite da solenidade do Natal, a Igreja reza assim: «Aceitai, ó Pai, a nossa oferta nesta noite de luz, e através deste misterioso intercâmbio de dons, transformai-nos em Cristo vosso Filho, que elevou o homem ao seu lado na glória». Por conseguinte, o pensamento da doação está no centro da liturgia e na nossa consciência evoca o dom originário do Natal: naquela noite santa Deus, fazendo-se carne, quis entregar-se pelos homens, doou-se a si mesmo por nós; Deus ofereceu-nos o seu único Filho, assumiu a nossa humanidade para nos conferir a sua divindade. Este é o grande dom. Também no nosso doar não é importante que um presente seja caro ou não; quem não consegue doar um pouco de si mesmo, doa sempre muito pouco; aliás, às vezes procura-se precisamente substituir o coração e o compromisso de doação de si mesmo com o dinheiro, com coisas materiais. O mistério da Encarnação indica que Deus não fez assim: não concedeu algo, mas doou-se a si mesmo no seu Filho Unigénito. Encontremos aqui o modelo do nosso doar, a fim de que os nossos relacionamentos, especialmente os mais importantes, sejam guiados pela gratuidade do amor.
Gostaria de oferecer uma terceira reflexão: o acontecimento da Encarnação, de Deus que se faz homem como nós, que nos mostra o realismo inaudito do amor divino. Com efeito, o agir de Deus não se limita às palavras, aliás, poderíamos dizer que Ele não se contenta com falar, mas insere-se na nossa história e assume sobre si a dificuldade e o peso da vida humana. O Filho de Deus fez-se verdadeiramente homem, nasceu da Virgem Maria, numa época e num lugar determinados, em Belém, durante o reino do imperador Augusto, sob o governador Quirino (cf. Lc 2, 1-2); cresceu no seio de uma família, teve amigos, formou um grupo de discípulos, instruiu os apóstolos para dar continuidade à sua missão e terminou o curso da sua vida terrena na cruz. Este modo de agir de Deus é um forte estímulo a interrogar-nos sobre o realismo da nossa fé, que não se deve limitar à esfera do sentimento, das emoções deve entrar no concreto da nossa existência, ou seja, deve referir-se à nossa vida de todos os dias e orientá-la inclusive de modo prático. Deus não se limitou às palavras, mas indicou-nos como viver, compartilhando a nossa própria experiência, excepto no pecado. O Catecismo de são Pio X, que alguns de nós estudaram quando eram jovens, com a sua essencialidade, à pergunta: «O que devemos fazer para viver segundo Deus?», dá esta resposta: «Para viver segundo Deus, devemos acreditar nas verdades reveladas por Ele e observar os seus mandamentos com a ajuda da sua graça, que se obtém mediante os sacramentos e a oração». A fé tem um aspecto fundamental, que diz respeito não só à mente e ao coração, mas à nossa vida inteira.
Proponho um último elemento à vossa reflexão. São João afirma que o Verbo, o Logos, estava em Deus desde o princípio, e que tudo foi feito através do Verbo e nada do que existe foi criado sem Ele (cf. Jo 1, 1-3). O evangelista alude claramente à narração da criação, que se encontra nos primeiros capítulos do Livro do Génesis, relendo-o à luz de Cristo. Este é um critério fundamental na leitura cristã da Bíblia: o Antigo e o Novo Testamento devem ser lidos sempre juntos, e é a partir do Novo que se revela o sentido mais profundo também do Antigo. Aquele mesmo Verbo que existe desde sempre em Deus, que é Ele mesmo Deus e por meio do qual e em vista do qual tudo foi criado (cf. Cl 1, 16-17), fez-se homem: o Deus eterno e infinito imergiu-se na finitude humana, na sua criatura, para reconduzir a Ele o homem e a criação inteira. O Catecismo da Igreja Católica afirma: «A primeira criação encontrou o seu sentido e apogeu na nova criação em Cristo, cujo esplendor ultrapassa o da primeira» (n. 349). Os Padres da Igreja compararam Jesus com Adão, a ponto de o definir «segundo Adão», ou o Adão definitivo, a imagem perfeita de Deus. Com a Encarnação do Filho de Deus tem lugar uma nova criação, que oferece a resposta completa à interrogação: «Quem é o homem?». Só em Jesus se manifesta completamente o desígnio de Deus sobre o ser humano: Ele é o homem definitivo, segundo Deus. O Concílio Vaticano II reitera com vigor: «Na realidade, só no mistério do Verbo Encarnado é que se esclarece verdadeiramente o mistério do homem... Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime» (Constituição Gaudium et spes, 22; cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 359). Naquele menino, o Filho de Deus contemplado no Natal, podemos reconhecer a verdadeira face, não apenas de Deus, mas o rosto autêntico do ser humano; e só abrindo-nos à acção da sua graça e procurando segui-lo todos os dias, realizamos o desígnio de Deus sobre nós, sobre cada um de nós.
Caros amigos, neste período meditemos sobre a grande e maravilhosa riqueza do Mistério da Encarnação, para permitir que o Senhor nos ilumine e nos transforme cada vez, à imagem do seu Filho que por nós se fez homem.


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Foi concebido por obra do Espírito Santo


PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL

Sala Paulo VI
Quarta-feira, 2 de Janeiro de 2013


Foi concebido por obra do Espírito Santo
Queridos irmãos e irmãs,
O Natal do Senhor ilumina mais uma vez com a sua luz as trevas que muitas vezes envolvem o nosso mundo e nosso coração, e traz esperança e alegria. De onde vem esta luz? Da gruta de Belém, onde os pastores encontraram «Maria, José e o Menino, deitado na manjedoura» (Lc 2, 16). Diante desta Sagrada Família surge uma interrogação mais profunda: como pode aquele Menino pequenino e frágil ter trazido uma novidade tão radical ao mundo, a ponto de mudar o curso da história? Existe porventura algo de misterioso na sua origem, que vai mais além daquela gruta?
Assim, reemerge sempre de novo a interrogação sobre a origem de Jesus, a mesma que é feita pelo Procurador Pôncio Pilatos durante o processo: «De onde és Tu?» (Jo 19, 9). E no entanto, trata-se de uma origem bem clara. No Evangelho de João, quando o Senhor afirma: «Eu sou o pão que desceu do céu», os judeus reagem murmurando: «Não é porventura Ele Jesus, filho de José, de quem conhecemos o pai e a mãe? Portanto, como é que diz agora: “Desci do Céu?”» (Jo 6, 42). E, pouco mais tarde, os cidadãos de Jerusalém opõem-se vigorosamente diante da presumível messianidade de Jesus, afirmando que se sabe bem «de onde Ele é; Mas o Messias, ao contrário, quando vier, ninguém saberá de onde é» (Jo 7, 27). O próprio Jesus faz notar como é inadequada a pretensão deles de conhecer a Sua origem, e deste modo já oferece uma orientação para saber de onde Ele provém: «Não vim de mim mesmo; mas Aquele que me enviou, e que vós não conheceis, Ele é verdadeiro» (Jo 7, 28). Sem dúvida, Jesus é originário de Nazaré, nasceu em Belém, mas que se sabe da sua verdadeira origem?
Nos quatro Evangelhos sobressai claramente a resposta à pergunta «de onde» vem Jesus: a sua verdadeira origem é o Pai, Deus; Ele provém totalmente d’Ele, de uma maneira diversa de qualquer profeta ou enviado de Deus que o tenha precedido. Esta origem do mistério de Deus, “que ninguém conhece”, está contida já nas narrações da infância, nos Evangelhos de Mateus e de Lucas, que estamos a ler neste tempo de Natal. O arcanjo Gabriel anuncia: «O Espírito Santo descerá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer há-de chamar-se Filho de Deus» (Lc 1, 35). Nós repetimos estas palavras cada vez que recitamos o Credo, a Profissão de fé: «Et incarnatus est de Spiritu Sancto, ex Maria Virgine», «encarnou-se no seio da Virgem Maria por obra do Espírito Santo». Diante desta frase ajoelhamo-nos porque o véu que ocultava é, por assim dizer, desvelado e o seu mistério insondável e inacessível nos toca: Deus torna-se o Emanuel, «o Deus connosco». Quando ouvimos as Missas compostas pelos grandes mestres da música sacra, penso por exemplo na Missa da Coroação, de Mozart, observamos imediatamente como eles fazem uma pausa de maneira particular nesta frase, como se quisessem procurar expressar com a linguagem universal da música aquilo que as palavras não conseguem manifestar: o grandioso mistério de Deus que se encarna, que se faz homem.
Se considerarmos atentamente a expressão «encarnou-se no seio da Virgem Maria por obra do Espírito Santo», descobrimos que ela inclui quatro sujeitos em acção. De modo explícito, são mencionados o Espírito Santo e Maria, mas está também subentendido «Ele», ou seja o Filho, que se fez carne no seio da Virgem, Na Profissão de fé, o Credo, Jesus é definido com diversos apelativos: «Senhor... Cristo, Filho unigénito de Deus... Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro do Deus verdadeiro... da mesma substância do Pai» (Credo niceno-constantinopolitano). Em seguida, damo-nos conta que «Ele» remete para outra Pessoa, o Pai. Por conseguinte, o primeiro sujeito desta frase é o Pai que, com o Filho e com o Espírito Santo, é o único Deus.
Esta afirmação do Credo não diz respeito ao ser eterno de Deus, mas fala-nos sobretudo de uma acção na qual participam as três Pessoas divinas e que se realiza «ex Maria Virgine». Sem ela, a entrada de Deus na história da humanidade não teria alcançado a sua finalidade e não se teria realizado aquilo que é central na nossa Profissão de fé: Deus é um Deus connosco. Assim, Maria pertence de modo irrenunciável à nossa fé no Deus que age, que entra na história. Ela põe à disposição toda a sua pessoa, «aceita» tornar-se lugar da morada de Deus.
Às vezes, também no caminho e na vida de fé, nós podemos sentir a nossa pobreza, a nossa inadequação perante o testemunho a oferecer ao mundo. Todavia, Deus escolheu precisamente uma mulher humilde, num povoado desconhecido, numa das províncias mais remotas do grande império romano. Sempre, mesmo no meio das dificuldades mais árduas a enfrentar, devemos ter confiança em Deus, renovando a fé na sua presença e na sua acção da nossa história, assim como na de Maria. Para Deus nada é impossível! Com Ele, a nossa existência caminha sempre num terreno seguro e está aberta a um futuro de esperança firme.
Professando no Credo: «Encarnou-se no seio da Virgem Maria por obra do Espírito Santo», nós afirmamos que o Espírito Santo, como força do Deus Altíssimo, realizou de forma misteriosa na Virgem Maria a concepção do Filho de Deus. O evangelista Lucas cita as palavras do arcanjo Gabriel: «O Espírito descerá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra» (1, 35). Duas evocações são evidentes: a primeira é no momento da criação. No início do Livro do Génesis lemos que «o Espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas» (1, 2); é o Espírito criador que deu vida a todas as coisas e ao ser humano. Aquilo que aconteceu em Maria, através da obra do mesmo Espírito divino, é uma nova criação: Deus, que do nada chamou o ser, mediante a Encarnação dá agora vida a um novo início da humanidade. Os Padres da Igreja falam diversas vezes de Cristo como do novo Adão, para sublinhar o início da nova criação a partir do nascimento do Filho de Deus no seio da Virgem Maria. Isto leva-nos a meditar sobre o modo como a fé traz, também a nós, uma novidade tão vigorosa, a ponto de produzir um segundo nascimento. Com efeito, no início do nosso ser cristãos está o Baptismo, que nos faz renascer como filhos de Deus, que nos faz participar na relação filial que Jesus tem com o Pai. E gostaria de observar que nós recebemos o Baptismo, ou seja, nós «somos baptizados» — é um passivo — porque ninguém é capaz de se tornar filho de Deus sozinho: trata-se de uma dádiva que nos é conferida gratuitamente. São Paulo evoca esta filiação adoptiva dos cristãos numa passagem central da sua Carta aos Romanos, onde escreve: «Na verdade, todos aqueles que são movidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Porquanto, vós não recebestes um espírito de escravidão para voltardes a cair no temor; recebestes, pelo contrário, um espírito de adopção pelo qual chamamos: “Abá! Pai!”. O próprio Espírito dá testemunho, em união com o nosso espírito, de que somos filhos de Deus» (8, 14-16). Só abrindo-nos à obra de Deus, como Maria, e confiando a nossa vida ao Senhor como a um amigo em quem temos uma confiança total, é que tudo mudará, a nossa vida há-de adquirir um novo sentido e um novo rosto: o de filhos de um Pai que nos ama e nunca nos abandona.
Falámos de dois elementos: o primeiro é o Espírito, sobre a superfície das águas, o Espírito Criador; mas há um segundo elemento nas palavras da Anunciação. O arcanjo diz a Maria: «A força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra». Trata-se de uma evocação da nuvem santa que, durante o caminho do êxodo, pairava sobre a tenda do encontro, sobre a arca da aliança, que o povo de Israel levava consigo, e que indicava a presença de Deus (cf. Êx 40, 34-38). Portanto, Maria é a nova tenda santa, a nova arca da aliança: mediante o seu «sim» às palavras do arcanjo, Deus recebe uma morada neste mundo, Aquele que o universo inteiro não pode conter adquire morada no ventre de uma virgem.
Então, voltemos à questão da qual partimos, a propósito da origem de Jesus, resumida, pela pergunta de Pilatos: «De onde és Tu?». Das nossas reflexões aparece claramente, desde o início dos Evangelhos, qual é a verdadeira origem de Jesus: Ele é o Filho Unigénito do Pai, Ele vem de Deus. Estamos diante do grande e extraordinário mistério que celebramos neste tempo de Natal: por obra do Espírito Santo, o Filho de Deus encarnou-se no seio da Virgem Maria. Trata-se de um anúncio que ressoa sempre novo e que traz consigo esperança e alegria ao nosso coração, porque nos dá a certeza de que, não obstante muitas vezes nos sintamos frágeis, pobres e incapazes diante das dificuldades e do mal do mundo, contudo o poder de Deus age sempre e realiza maravilhas precisamente na debilidade. A sua graça é a nossa força (cf. 2 Cor 12, 9-10). Obrigado!

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