Viver cada minuto da vida como um filho querido do Pai, cumprir cada tarefa convencido de que ela é capaz de agradar o coração do Pai, tal é incontestavelmente um dos grandes segredos da alegria cristã. Não este ponto central da Boa Nova?
Mas nunca será demais repetir que o amor de Deus pelos homens é um mistério. Primeiro porque este Amor universal não é absolutamente uma realidade evidente. "Tudo isso é bonito demais para ser verdade". Quantas vezes não ouvimos esta objeção! Efetivamente, se fosse evidente que todos os homens são ininterruptamente amados por Deus, os órfãos, os deficientes, as vítimas de todos os acidentes da natureza e de todas as injustiças da história não teriam nenhuma dificuldade de acreditar. O que é que nos prova não terem os inventado a existência de um Pai infinitamente bom, velando por eles no céu, a fim de se consolarem de todas as misérias da terra?
Jesus, concluindo a Revelação começada na antiga lei, veio nos garantir a realidade desse amor. Confiados na sua Palavra ousamos dizer "Pai Nosso", mesmo depois de um dia cheio de aborrecimento. Não tentemos, pois, convencer aqueles que não acreditam em toda a Revelação judeu-cristã. Contentemo-nos em responder-lhes: "É claro que não basta uma afirmação ser bonita para ser verdadeira... Mas não é por ela ser bela que é falsa. Por que não teria Deus o direito de amar infinitamente seus filhos e de lhes vir dizer isso?" Nossa fé em Cristo Jesus nos dá a audácia de afirmar este amor universal de um Deus- Pai.
Mas o amor de Deus pelos homens é igualmente um mistério no sentido de que supõe - como todo mistério - a afirmação de duas verdades aparentemente contraditórias sobre as quais vamos refletir um pouco. Por um lado, Deus nos ama com um amor absolutamente gratuito - e neste caso não precisa de nós; mas por outro lado, sente um real prazer, um prazer infinito em nos amar - e aí podemos dar-lhe algo!
UM AMOR ABSOLUTAMENTE GRATUITO
Diz-se, às vezes, que Deus nos cria para sua glória. Está certo, no sentido de que nos cria para termos enfim a possibilidade de conhece-lo, saboreá-lo e cantar eternamente: "Sim, o Senhor é bom"! O que não significa a necessidade de ter toda uma falange de adoradores e adoradoras prostrados diante dele.
Deus não precisava de nós, absolutamente. É o mistério de sua transcendência, afirmado pela Escritura e proclamado por toda a Tradição da Igreja. Assim o canta um dos prefácios utilizados em dias de semana:
Ainda que nosso louvores não vos sejam necessários, vós nos concedeis o dom de vos louvar. Pois, se nada acrescentam à vossa riqueza, contribuem para a nossa salvação.
Foi pois unicamente para nós, para conhecermos a alegria de viver, de respirar,de amar, de trabalhar e de cantar que Deus criou tudo e nos deu vida. A criação supõe a existência, em Deus, de amor absolutamente desinteressado, verdadeiramente incompreensível e inimitável, chamado "ágape" pelo Novo Testamento. Quando amamos alguém é porque já descobrimos o seu encanto - mesmo que ainda em esboço. Deus, pelo contrário, é capaz de nos amar até antes de existirmos. Não nos ama pelas nossas qualidades; é o seu amor que cria tudo o que somos e temos. Diante dele nossa pobreza é radical: a ele devemos tudo, ele nada nos deve.
Uma das alegrias fundamentais do cristão é exatamente acolher tudo o que ele é e possui, com presente perpétuo do Pai. O cristão acolhe todas as alegrias da vida como "amabilidades" preparadas pelo Pai, desde toda a eternidade. Gosta de exercitar a memória para melhor saborear essas delicadezas do Senhor. Foi o que Teresa de Lisieux fez durante o ano de 1895, escrevendo a historia de sua vida: "A flor que vai contar sua história alegra-se em publicar as amabilidades inteiramente gratuitas de Jesus, reconhece não ter nada capaz de atrair os olhos divinos e o bem existente é fruto unicamente de sua misericórdia".
A oração de ação de graças é momento privilegiado de nossa vida, onde a mão de Deus nos entrega o nosso ser, onde acolhemos, ao mesmo tempo, as nossas energias interiores e as circunstâncias providenciais de nossa história como presente pessoal do Pai.
Pois não somos artigos fabricados em série.O Pai nos cria modelos únicos: todos somos estrelas singulares no céu de sua criação. O Talmude comenta assim o fato de sermos criados à imagem e semelhança de Deus: "O homem foi criado único e nisso é semelhante a Deus". Segundo o belo jogo de palavras de André Frossard, "Deus só sabe contar até um ".
Com a liturgia, gostamos de repetir: "Pela vossa sabedoria fomos criados e a vossa providência nos conduz". E nossa oração de ação de graças desabrocha espontaneamente em oração de abandono. Surgindo dos dedos de Deus, sentimos a necessidade de nos abandonarmos em suas mãos, a fim de que nos modelem ainda mais à imagem de seu Filho: Em vossa mão, Senhor, residem a força e o poder (1 Cr 29,13).
Nos vossos braços divinos não temo a tempestade. O total abandono, eis minha única lei!
Fonte: O segredo de um sorriso (Teresa de Lisieux) - P.Descouvemont - Edições paulinas